A Metafísica do Zodíaco - Do Triângulo ao Quadrado
Introdução
A Caverna Mogao 407, localizada na China, datada entre 581 e 618 (Dinastia Sui), abriga um grande templo budista, no qual um dos tetos chama a atenção dos visitantes pela sua beleza ornamental simétrica, típica do estilo da arte tradicional. No entanto, os olhares mais atentos percebem que os padrões geométricos da pintura localizada acima dos visitantes, além de possuírem temas presentes em artes de várias tradições, carregam princípios simbólicos universais. Isso é possível ao observar a pintura a partir do seu centro, no qual há um emblema que figura em várias outras construções: as três lebres. Estas lebres dispostas radialmente simétricas formam uma Triquetra, símbolo que ilustra princípios formativos essenciais. Estes princípios podem ser aplicados a várias dimensões da realidade, mas a mais evidente é a astrológica, na qual diferentes realidades terrestres e celestes se articulam e se comunicam.

É por esse motivo que neste artigo analisaremos os princípios essenciais do Zodíaco ilustrados através da pintura do teto da Caverna Mogao.
Teto da Caverna Mogao
A pintura localizada no teto da Caverna Mogao é segmentada, do centro à periferia, nas seguintes partes:
Triângulo de Reulaunx, o centro da Triquetra, formado pelas orelhas das três lebres;
Três Lebres que formam um triângulo equilátero
Circunferência na qual as três lebres estão inscritas;
Circunferência onde uma lótus de oito pétalas brancas está inscrita;
Circunferência onde uma lótus de oito pétalas pretas está inscrita;
Série de quadrados, sendo o mais interno adornado com apsaras, e o mais externo com vários budas;
A lótus branca está em volta do emblema com as três lebres e é seguida pela lótus negra. Ambas as flores são radialmente simétricas e, quando observadas em conjunto, demarcam as posições dos signos zodiacais, bem como o Shatkona, forma geométrica “produzida” a partir da Triquetra, mais conhecido como “Estrela de David”.
Tanto o par de lótus, quanto a Shatkona, através da combinação de seus simbolismos geométricos, descrevem as essências dos 12 signos zodiacais, portanto, revelam com bastante profundidade os “segredos” metafísicos dos mitos relacionados a cada um dos signos. Para que nossa análise possa ser eficaz, vamos analisar cada um dos elementos da pintura separadamente, do centro à periferia. Comecemos, então, falando da primeira figura, a Triquetra formada pelas três lebres.
As Três Lebres da Caverna Mogao
As três lebres é um símbolo presente em várias culturas ao redor do globo, em especial na Catedral de Paderborn, localizada na Alemanha, e que ficou conhecida especialmente pela sua Dreihasenfenster, ou “Janela das Três Lebres”. Neste padrão simbólico, as orelhas dos três animais estão dispostos de tal maneira a formarem um Triângulo de Reuleaux, que é nada mais do que um triângulo equilátero projetado sobre uma esfera - e sobre este tópico, há muito a ser dito, mas faremos isso em outra oportunidade.

O Triângulo de Reuleaux é também conhecido como Triângulo Cabeça de Peixe, e isso não é à toa, afinal, esta forma geométrica é construída a partir da Triquetra, símbolo no qual três peixes compartilham a mesma cabeça, que possui o formato de um Triângulo de Reuleaux. Uma das representações mais antigas deste símbolo é encontrado em uma tigela egípcia datada entre os séculos 16 e 11 a.C. Portanto, seja através das lebres, ou através dos peixes, o simbolismo geométrico comunicado é, essencialmente, o mesmo.

Os três peixes possuem o formato de três vesicae piscium. A vesica piscis (“vesícula de peixe”) é a intersecção formada por dois círculos, de maneira que a circunferência de um passa pelo centro de outro (esta, inclusive é forma utilizada para se traçar um triângulo equilátero). Assim, os três vesicae piscium dão origem ao Triquetra, que pode ser a cabeça de peixe ou o encontro das orelhas de três lebres.
Antes de prosseguirmos, devemos mencionar algumas notas importantes sobre a Triqueta em si.
Simbolismo da Triqueta
Notadamente, a Triqueta remete a forma triangular, especificamente, o triângulo equilátero. Externamente, ela está inscrita em um triângulo apontando para cima, já o Triângulo de Reuleaux está inscrito em um triângulo apontando para baixo. Caso o triângulo menor assuma o mesmo tamanho do maior (mantendo sua posição central), teremos o Shatkona (“षट्कोण”, “Seis Ângulos” ou “Hexágono”), a estrela de seis pontas conhecida como “Estrela de Davi”. Além disso, notamos que o triângulo voltado para baixo é, originalmente, menor que o primeiro, figurando maior somente para estabelecer uma simetria com o maior. Em outras palavras, isto nos revela uma hierarquia entre ambos os triângulos, como se aquele que é voltado para baixo fosse um reflexo daquele voltado para cima. Isto é um motivo simbólico-estético comum a vários contextos: essência sobre substância, Deus sobre suas criações, determinante sobre determinado, e por aí vai. No entanto, o que mais nos interessa, como veremos de maneira mais detalhada, é que, no Zodíaco, o triângulo que aponta para cima representa o fogo, já o triângulo que aponta para baixo, o ar, uma espécie de “reflexo” ontológico no qual o elemento do ar é inferior ao fogo.

Sendo o triângulo invertido menor e, originalmente, contido pelo maior, isso implica em outros simbolismos, como o homem estar em Deus, ser menor que ele e “expandir suas dimensões” na medida em que busca a Divindade. Esse homem que “cresce”, cresce na medida em que busca ser um “reflexo do Cristo”, um imitador seu, mantendo-se sempre inferior a Ele. Não é à toa, inclusive, que o fogo e o ar são associados, respectivamente, a Deus e ao homem, sendo o fogo imagem de Atma (“आत्मा”) e o ar imagem de Jivatma (“जीवात्मा”).
Outro ponto importante sobre a Triquetra é a divisão de 120º da circunferência feita por ela. Dois vesicae piscium realizam uma divisão de 120º, ou seja, dividem em uma proporção de um terço. Como veremos, os signos do mesmo elemento estão posicionados em 120º um em relação ao outro. Por exemplo, o primeiro signo de fogo e Áries, e o segundo Leão; para ir de um ao outro, realiza-se um terço de rotação, o que, em outras palavras, significa passar por signos dos outros três elementos. Podemos dizer que, dentro do Zodíaco, temos “pequenos ciclos” que dizem respeito ao passar por quatro signos de cada elemento, logo, temos três destes pequenos ciclos - outro dado importante que devemos ter em mente.
Fora o que foi exposto, há mais dois pontos fundamentais: em primeiro lugar, como dissemos, no centro da Triqueta temos um Triângulo de Reuleaux, que é um triângulo equilátero projetado sobre uma esfera; em segundo lugar, a própria vesica piscis é a projeção de uma forma sobre uma esfera, porém, neste caso, trata-se de uma forma muito mais complexa, pois seria algo como a projeção de uma linha unidimensional que, sobre a superfície tridimensional, manifesta-se bidimensionalmente. Estes aspectos são de extrema importância e carregam vários “segredos” do simbolismo geométrico, mas, por hora, preferimos apenas mencioná-los, pois abordá-los com o devido cuidado deve ser feito em exposições específicas.
Vishnu Trivikrama
Como havíamos mencionado antes, o símbolo das três lebres também pode aparecer sob a forma dos três peixes. O motivo comum das três formas é o seu centro, o Triângulo de Reuleaux, o qual implica, necessariamente, na Triquetra. Inclusive, a forma com os três peixes é mais simbolicamente “didática”, pois os dois triângulos, sobre os quais já falamos, contidos nela ficam dispostos com maior exatidão simétrica. No caso da representação encontrada na tigela egípcia, entre cada peixe, há três flores de lótus que coincidem com os raios do triângulo menor que forma o Shatkona.
Portanto, estando o Shatkona como princípio na raiz do Zodíaco, não é equivocado pensarmos que o simbolismo do peixe também esteja, afinal, a própria Triquetra, que estrutura a estrela de seis pontas, é formada por três vesicae piscium, figura geométrica associada ao peixe. Essa associação, naturalmente, ocorre devido à própria forma da figura, mas, como iremos expor agora, vai muito além disso.
Conforme o simbolismo do presente Manvantara, a primeira, dentre as dez encarnações de Vishnu, foi o peixe Matsaya (“मत्स्य”, “Peixe”). Este peixe “avatárico” é um dos responsáveis por ter ajudado a humanidade a sobreviver ao dilúvio hindu, sendo associado simbolicamente à própria Arca de Noé.
"Quando o mundo estava prestes a ser inundado, Vishnu tomou a forma de um grande peixe e salvou os Vedas e Manu, o progenitor da humanidade." (Bhāgavata Purāṇa 8.24.12-13)
Matsaya, fazendo a vez de “arca”, preservou as “sementes” da criação e os rishis, os sábios mantenedores da tradição. Não podemos perder de vista que o próprio ciclo zodiacal termina no signo de Peixes e Matsaya, assim como a Arca construída por Noé, está associado ao encerramento e renovação de ciclos. Além disso, nos Vedas é descrito como Vishnu “mediu os reinos terrestres três vezes” dando três passos (por isso é chamado Trivikrama, “त्रिविक्रम”, que significa “Aquele que deu Três Passo”). Portanto, as três vesicae piscium também são um símbolo dos três passos de Vishnu, ou seja, são um símbolo de medição do todo, neste caso, medição do Zodíaco em três partes.
"Por todo este mundo caminhou Viṣņu; três vezes seu pé ele plantou, e o todo foi recolhido no pó de seus passos." – Rig Veda 1.22.17.
"Viṣņu, o Guardião, aquele a quem ninguém engana, deu três passos; daí em diante estabelecendo seus altos decretos." – Rig Veda 1.22.18.
"Viṣņu mediu os reinos terrestres três vezes exatamente..." – Rig Veda 6.49.13.
A vesica piscis é também o “receptáculo” que preserva a “Lei Eterna” (Sanatana Dharma, “सनातन धर्म”) dos Rishis Védicos, o que ilustra o caráter do Zodíaco em preservar uma lei, uma ordem, manifestada pelo seu caráter cíclico (naturalmente, todo ciclo é a manifestação de uma ordem). Esta “Lei Eterna”, que “mede” o todo, também é descrita como “Agni” (“अग्नि”), o “Fogo Sacrificial”, o que está intimamente ligado ao próprio Zodíaco, também chamado de Yajna (“यज्ञ”), o “Ano Sacrificial”. Agni aqui é o raio do vesica piscis que forma o Triquetra e, consequentemente, a circunferência em torno desta, ou seja, o próprio Zodíaco - o raio, ao rotacionar, muda de posição, passando por cada signo, mas permanece o mesmo. Isso nos remete novamente ao caráter preservador de arca de Matsaya, pois o raio (Agni e Sanatana Dharma) que forma o Zodíaco está contido, “preservado”, no vesica piscis. Disso, há muito a ser revelado sobre o caráter profundo do simbolismo da Arca de Noé, mas preferimos abordar este tema em outro estudo para não tergiversarmos de nossa exposição.


Há muito a ser dito ainda sobre o caráter simbólico-astrológico do peixe, mas por hora iremos parar por aqui, mas antes devemos mencionar que, nas raízes do Cristianismo, encontramos usando as palavras de Mário Ferreira dos Santos, os chamados “adoradores do cordeiro” e “adoradores do peixe” como precursores da Doutrina Cristã. Isto é no mínimo interessante, uma vez que o ciclo zodiacal vai de Áries a Peixes.
Posição dos 12 Signos Zodiacais
Antes de falarmos sobre os demais elementos da pintura encontrada no teto da Caverna Mogao, é importante que, com base no que foi dito, indiquemos a posição de cada um dos 12 signos zodiacais em relação à rotação da Triquetra.
Os três vesicae piscium que formam o Triquetra central marcam, no Zodíaco, as posições dos signos de Áries (em 0º), Leão (em 120º) e Sagitário (em 240º), todos símbolos do fogo. Na já mencionada tigela egípcia, entre cada um dos vesicae piscium, as três flores de lótus equivalem aos raios do triângulo invertido do Shatkona. Estes três raios coincidem com os signos de Gêmeos (em 60º), Libra (em 180º) e Aquário (em 300º). Estas medidas são importantíssimas, pois elas traduzem a essência de cada um dos signos zodiacais, fundamentando seus respectivos simbolismos.
Recapitulando o que foi dito, os signos zodiacais do fogo aparecem “espelhados” nos signos zodiacais do ar e os signos seguem uma sequência que vai de 30 em 30 graus. Seguindo essa lógica, tomando o triângulo do fogo como referência, o triângulo da terra (Touro-Virgem-Capricórnio) segue em 30º, o triângulo do ar (Gêmeos-Libra-Aquário) em 60º, e o triângulo da água (Câncer-Escorpião-Peixes) em 90º.
Do Triângulo ao Quadrado
Seguindo, analisemos os outros elementos que compõem a pintura do teto da Caverna Mogao. A partir dos padrões triangulares centrais que tradicionalmente estruturam o Zodíaco, seguem-se duas lótus e uma série de quadrados contendo diferentes temas ornamentais, como as apsarás e os budas. Não iremos abordar estes motivos ornamentais em específico, mas iremos nos ater aos elementos geométricos.
Assim como o triângulo, o quadrado está na base do Zodíaco, afinal trata-se de um ciclo e o quadrado, bem como o quatro, são a essência do movimento rotacional. A grande questão é como passamos do triângulo ao quadrado na estruturação do zodíaco. Recapitulando o que foi dito, vimos que a Triquetra carrega potencialmente em si o Shatkona e que as seis pontas desta marcam a posição dos signos de fogo e de ar. Seguindo este esquema simbólico, os espaços entre as seis pontas da estrela irão demarcar as posições dos signos de terra e água (algo de suma importância e que devemos manter em mente). Desta maneira, havendo 12 posições demarcadas, o quatro se faz presente geometricamente, logo essencialmente.
Em Mogao, a posição dos 12 signos zodiacais é ilustrada pela posição das pétalas das 2 lótus. Esta estruturação não é à toa, e está intimamente ligada ao simbolismo referente à flor escolhida e às cores que assume. Observamos que…
Áries, Câncer, Libra e Capricórnio - os signos cardinais de cada um dos quatro elementos - estão nas pontas da pétalas negras que formam uma “cruz” (um sinal de soma) e entre duas pétalas brancas ;
Touro, Leão, Escorpião e Aquário - os signos fixos, desta vez - estão nas pontas das outras pétalas negras, que formam um “x” (um sinal de multiplicação);
Os demais signos - os mutáveis - ocupam as pontas de quatro das pétalas brancas, formando um quadrado inclinado em 60º a partir de Áries.

Não é à toa, naturalmente, a escolha das cores preta e branca, e sua combinação nas duas flores diz muito sobre a natureza de cada um dos signos. Não iremos abordar este assunto aqui, pois é algo demanda uma análise específa e profunda, porém vale mencionar que, nem todas as pétalas brancas demarcam a posição de signos, somente quatro delas, o que, dentre tantos motivos, ilustra o caráter mutável, “dinâmico”, de Gêmeos, Virgem, Sagitário e Peixes.
Como nosso foco, no presente estudo, é especificamente no caráter geométrico do Zodíaco, devemos agora analisar de maneira mais detida o que significa ir do triângulo ao quadrado.
Lao Tzu e a Totalidade
Ensinou Lao Tzu, conforme consta no versículo 42 do Tao Te Ching, que…
“O Tao dá a luz ao Um,
o Um dá a luz ao Dois,
o Dois dá a luz ao Três,
o Três dá a luz às Dez Mil Coisas.”
Esta é a tradução de Tolbert McCarroll, à qual não fazemos ressalvas. Karl Oswald Schmidt traduziu este último trecho assim:
“Do três, a multiplicidade dos seres fluiu, que são a aparência externa, estando dentro, ambos unidos pelo Espírito”.
Em ambos os casos, as traduções nos serão úteis para entendermos o significado profundo da Astrologia e do Zodíaco especificamente. Partamos de dois fundamentos básicos da astrologia:
Os astros simbolizam fenômenos de diferentes ordens ontológicas.
O Zodíaco é fruto do Três e do Quatro.
Muito bem, se entendermos como o Três e o Quatro se combinam para formar o Zodíaco, iremos compreender muitas coisas profundas e ocultas sobre a Astrologia.
O Tao, sendo Deus, dá origem a tudo que existe. O cosmos é as “Dez Mil Coisas”, ou “Dez Mil Seres”, a depender da tradução. O Dez é sinônimo de totalidade e, dentre tantas possibilidades, pode significar a totalidade do cosmos, seja naquilo que se dá em ato, seja naquilo que se dá em potência. Dez mil é o 10 multiplicado por si mesmo três vezes:
10x10x10x10
Aqui temos um duplo esquema simbólico:
O 10 multiplicado por si três vezes;
Quatro números 10 multiplicados.
Portanto, conforme a iconografia taoísta, a criação de Deus (que chamemos simplesmente de cosmos) é essencialmente “dez mil elementos”. Sendo dez mil, é, de maneira concomitante, o dez multiplicado por si três vezes e quatro números dez multiplicados. Assim, a totalidade do cosmos está ordenada pela dupla ação do 3 e do 4 e pela recepção do 10.
Então tenhamos em mente que, quando se trata de totalidade, temos o 10, o 3 e o 4. Indo mais a fundo, na totalidade, o 3 e o 4 agem de maneira dupla e concomitante sob o dez, à semelhança da essência sobre a substância, ou, em termos bíblicos, à semelhança dos “céus” agindo sobre a “terra”. Sendo o 12 o produto do 3 e do 4, neste caso, o 12 aparece como hierarquicamente superior ao dez mil. Em outras palavras, o 12 reúne em si as leis que governam o dez mil, sendo fruto da ação do 3 e do 4.
Este é um primeiro sentido do Zodíaco: o Zodíaco carrega em si as leis que governam os níveis inferiores a ele, com por exemplo assuntos contingentes ao plano corporal, como a agricultura e as relações sociais de diferentes espécies.
No entanto isso está longe de ser tudo, pois notem que no caso tratado, o 3 e o 4 apareceram, até agora, sob duas maneiras distintas:
12 como multiplicação entre 3 e 4;
Dez mil como sendo 10 elevado a 4, o que pressupõe 3 operações de multiplicação.
Em ambos os casos, temos o tema da multiplicação, porém, em cada um, esta ocorre de maneira diferente. Portanto, antes que avancemos em nossa exposição, devemos compreender o sentido metafísico por trás da operação de multiplicação. Em seguida, devemos entender os sentidos qualitativos do 3, do 4 e do 10 o que implica em entender as essências desses números.
O Simbolismo da Multiplicação
Para entendermos a multiplicação, vamos compará-la à soma.
Ambos os símbolos de soma e multiplicação são cruzes formadas por eixos ortogonais, porém a de soma tem um eixo vertical, e a de multiplicação tem seus dois eixos em ângulos de 45º em relação ao plano horizontal. Em outras palavras, o símbolo de soma é uma cruz convencional, e o de multiplicação é uma cruz rotacionada em 45º.
Agora, vamos analisar primeiro a cruz de soma e, a partir de nossa análise, iremos compreender melhor o sentido simbólico da multiplicação.
Soma
Na soma, temos um eixo vertical cruzando um eixo horizontal. O eixo vertical representa a essência, a qualidade, a ação dos “céus”, ou mesmo Deus. Já o eixo horizontal representa a substância, a quantidade, a recepção da “terra”, ou mesmo o cosmos. A depender do contexto, cada um destes simbolismos será possível. De qualquer maneira, no geral, temos um princípio superior agindo sobre um princípio inferior, ou a ação de um determinante sobre um determinado.
Como é sabido, o ente é a ação da essência sobre a substância. Na cruz, portanto, o ente é representado pelo ponto onde ambos os eixos se encontram. Como já expusemos em outro momento, o ponto é, por definição, adimensional, infinito, já a reta é unidimensional, finita. Assim, o Ponto é hierarquicamente superior à linha, logo, o encontro de duas linhas culmina na revelação de um ente superior, o Ponto. É daí, inclusive, que vem a ideia das retas partindo do Ponto. Em termos simbólicos, também podemos dizer que o ente está para o ponto, em seu caráter relativo, que seria mais propriamente a pontualidade, como a essência está para a reta vertical, e a substância para a reta horizontal. É desta analogia que parte o conceito de que tudo aquilo que existe, sendo combinações da essência e da substância, dá um testemunho da ação criadora de Deus - Ponto Absoluto. Esta analogia também representa o presente como símbolo do infinito, uma vez que esse seria o encontro entre o passado, representado pela reta vertical, e o futuro, representado pela linha horizontal. Portanto, em um contexto cronológico, o presente não é o Ponto em si, mas uma pontualidade, um ponto relativo.
Em síntese, na soma temos a combinação de dois números que culminam em um terceiro, representado por um ponto. O número menor é a reta vertical, e o número maior, a reta horizontal. Isso se dá por aspectos metafísicos que iremos expor, resumidamente, agora:
Como vimos em um de nossos artigos, a reta se dá entre duas manifestações do Ponto. Em outras palavras, a reta, primeira possibilidade de manifestação da quantidade, logo, da substância, se dá pela natureza infinita do Ponto. Sendo a reta uma representação geométrica do Dois, e o Ponto do Um, podemos dizer que o Dois surge pela natureza infinita do Um. Compreendemos que este assunto pode não ser claro para a maioria dos leitores, por isso, em outro momento, iremos tratar especificamente disso. Mas o que nos importa é que o Dois é fruto do Um, já o Três, fruto do Um somado ao Dois, e assim por diante… Logo, quanto menor o número, mais próximo ele estará do Um, não só quantitativamente, mas também sob um aspecto metafísico, qualitativo. Por exemplo, sendo o Um infinito, e o Dois a primeira determinação quantitativa, o Um é superior ao Dois, e a soma destes resulta no Três. Portanto, também temos o contexto simbólico no qual o Um seria o eixo vertical, o Dois o eixo horizontal, e o Três o ponto de intersecção entre os eixos. Isso demonstra outra coisa: cada número inteiro é identificado como sendo si mesmo, logo, é um algo particular, possui uma aspecto unitivo. Em outras palavras, dizemos que os números inteiros participam da unicidade do Um e da multiplicidade do Dois.
Assim, o simbolismo da soma é o da ação de um princípio superior sobre um princípio inferior.
Multiplicação
No caso da multiplicação, o encontro de duas retas explicita um ponto, porém, as retas não são mais uma hierarquicamente superior à outra de forma tão clara. Há uma diferença qualitativa mais tênue, aquela que se dá na oposição entre esquerda e direita. Notem que no símbolo de multiplicação, uma reta parte da direita e chega à esquerda, e outra realiza o contrário. Ambas possuem origens no mesmo plano superior, e fins no mesmo plano inferior, diferenciando-se apenas pelas posições horizontais. Isso implica em significados simbólicos profundos, que dizem respeito ao simbolismo do “X”, mas preferimos elucidá-lo em outro momento, pois, como veremos, o simbolismo do “X” torna-se muito mais palatável sob o simbolismo do Zodíaco.
Portanto, na multiplicação, há a ação entre dois princípios, não explicitamente hierárquicos. Por isso podemos dizer que o 12 é o 3 quatro vezes, ou que é o 4 três vezes. Disso temos que o Zodíaco é a essência do 3 potencializada pela essência do 4 e o contrário também. Já a soma do 3 e do 4 é a ação essencial do 3 sobre a recepção substancial do 4, resultando no 7, que também traz em si o sentido de totalidade, mas sob outro aspecto: o cosmos, indo do 1 ao 6, como uma música harmônica recitada por Deus, e o 7 sendo o silêncio, local sagrado no interior do homem onde se encontra Deus.
Notem que, cada tema levantado neste artigo pode ser aprofundado e desdobrado em outros, mas, por enquanto, vamos tratar das essências do 3, do 4 e do 10.
Tetraktys e a Década Sagrada
Recapitulando o que foi visto, temos que:
A totalidade do cosmos pode ser simbolizada pelos “Dez Mil Seres”;
O número dez mil implica na ação concomitante das essências do 3 e do 4;
O Zodíaco, que é essencialmente o Doze, é fruto da combinação do 3 e do 4.
É importante, no entanto, entendermos melhor em que sentido o 10 é a totalidade e quais são alguns dos simbolismos fundamentais desse número. Para isso, vamos dispor de certos conhecimentos transmitidos pelos pitagóricos.
Nos círculos pitagóricos, havia o conceito de “Tetraktys”, ou “Tétrada Sagrada”, que é um grupo formado pelos números 1, 2, 3 e 4. Resumindo o que nos interessa sobre este assunto, temos que:
O 1 é a Unidade total, Deus, infinito e absoluto, o “número não numerável”, aquele com o qual os outros números se identificam por meio da participação na Unidade. O 1 gera o 2.
O 2, Díade, é a primeira possibilidade de diferenciação, a possibilidade da existência contingente, ou seja, de um tipo de existência além de Deus, o cosmos.
O 3, combinação do 1 sobre o 2, representa a bidimensionalidade, ilustrada na cruz ortogonal. Aqui, temos o simbolismo da tensão entre essência e substância identificando o ente particular e o simbolismo da essência e da substância universais sendo geradas pelo 1, possibilitando as essências e substâncias particulares.
O 4, é a tridimensionalidade, um maior grau de determinação do 3 e, dentre tantos simbolismos, os níveis ontológicos corpóreos. Temos os entes que podem ser captados pelos sentidos, ou seja, aqueles que existem sob a contingência das três dimensões espaciais e o tempo (quatro dimensões). Portanto, o 4 está relacionado às mutações, à possibilidade da associação dos acidentes aos entes. O 4 também representa os ciclos, e sendo o ciclo um movimento circular em torno de um centro, há a ideia do cosmos ordenado sendo a “janela” através da qual se contempla Deus como ordenador - uma vez que o círculo pressupõe um centro, e o centro é o Ponto, a Unidade e o Um.
No século III depois de Cristo, a alquimista Maria Profetisa (que deu origem ao “Banho Maria”), conhecida como “Maria, a Judia”, ou “Maria, Irmão de Moisés Copta”, deu origem ao “Axioma de Maria”, no qual lemos que:
“O Um se torna Dois, o Dois se torna Três, e do terceiro vem o Um como quarto.”
Já no século VII, o alquimista Christianos citou os ensinamentos de Maria Profetisa de maneira mais detalhada, ao dizer que:
“O Um se torna Dois, o Dois se torna Três, e por meio do terceiro e do quarto se alcança a Unidade; portanto dois são apenas Um”
Estas citações esclarecem a ideia de que do 1 ao 4 há um retorno ao 1. Na verdade, o retorno ao 1 se dá em todos os números, uma vez que a Unidade sempre se faz presente. O que ocorre é como este retorno é simbolizado em cada número. Sendo o 4 a essência do plano corpóreo, dizemos que o 4 aponta para o 1 assim como o plano corpóreo é, como dissemos, uma “janela” pela qual, através do Simbolismo, conhecemos, contemplamos, Deus.
Então, os quatro primeiros números partem do 1, retornam ao 1 e além disso resultam no 10, de onde parte a ideia de “Década Sagrada”. Os quatro primeiros números, somados, resultam em 10, e é isso que devemos estudar.
O 10 é resultado da ação da essência do 1 sobre a substância do 2, que resulta no 3, seguida da ação da essência 3 sobre a substância do 4, que resulta no 7, e, por fim, da segunda ação 3 sobre o 7 (gerado pelo primeiro 3 e pelo 4).
1+2+3+4=3+7=10.
A primeira ação do 3 pode representar o triângulo voltado para cima no Shatkona. Já a segunda ação do 3 representa o triângulo voltado para baixo.
Portanto, a progressão do triângulo ao quadrado é, em termos geométricos, a progressão do 3 ao 4, processo que, dentre seus vários significados metafísicos e ontológicos, implica na estruturação das leis pelas quais o mundo (o “10”) é “sustentado” por Deus na ordem do Ser.
Este fato fica evidenciado em uma antiga oração proclamada pelos pitagóricos, na qual lemos:
“Abençoa-nos, número divino, tu que gerou deuses e homens! Ó santo, santo Tetraktys, tu que conténs a raiz e a fonte da eterna criação que flui! Pois o número divino começa com a profunda e pura unidade até chegar ao santo quatro; então, gera a mãe de todos, a toda-compreensiva, toda-abrangente, o primogênito, o inabalável, o incansável dez, a portadora de tudo.”
Cremos, com esta exposição breve, termos indicado, principalmente às inteligências mais capazes, como, no Simbolismo Geométrico, o triângulo “produz” o quadrado.
Considerações Finais
Entendemos que não chegamos nem minimamente perto de esgotar os temas apresentados nesta exposição (algo, por definição, impossível), o que não é em absoluto um problema, afinal nossa ideia é introduzirmos certos temas a respeito da Metafísica do Zodíaco que serão aprofundados progressivamente ao longo de outros artigos. Voltamos a enfatizar que é importante que seja retido na memória tudo o que foi dito aqui, pois será a partir dos diferentes temas levantados que prosseguiremos as futuras exposições referentes aos aspectos mais profundos e pouquíssimo compreendidos da Astrologia - que, no presente momento, normalmente só consegue ser compreendida sob seu aspecto psicológico.