Introdução
O Zodíaco, como sistema simbólico, permite interpretações em número indefinido, mas há aquelas que conseguem penetrar o domínio metafísico com maior profundidade. Certamente, tentar interpretar cada signo sequencialmente não é a melhor abordagem - pode ser uma introdutória, mas não contempla todas as dimensões simbólicas possíveis e, no geral, cria a falsa impressão de que houve uma compreensão adequada do assunto. O ideal é a leitura na qual os limites contingentes são determinados, ou seja, especificando o contexto abordado (se se trata de uma leitura psicológica, referente às Sete Artes Liberais, etc.). É por esse motivo que é mais efetivo, por exemplo, interpretar o signo de Câncer em relação a Áries, ou ao seu ternário elementar, ou em relação a Peixes. Em suma, interpretar os símbolos zodiacais sem perder de vista o aspecto relacional, até porque, por mais que cada signo seja um algo específico, têm seu sentido principal como elemento de um todo, como parte de um conjunto ordenado.
No entanto, seguindo nossa série de estudos, iremos analisar no presente artigo o simbolismo de Áries “isolado” dos demais signos, porém, como ficará explicitado, sem deixar de considerar o aspecto relacional. Na verdade, iremos tomar Áries “isoladamente” porém o considerando em sua íntima relação com o aspecto de totalidade do Zodíaco. Para lograrmos esse intento, devemos partir da posição assumida por Áries no ciclo zodiacal.
Áries e Agni
Áries aparece comumente localizado no topo do ciclo zodiacal e, juntamente com Leão e Sagitário, forma um triângulo equilátero que aponta para cima, como expusemos demoradamente em nosso artigo anterior (“A Metafísica do Zodíaco - Do Triângulo ao Quadrado”). Cabe agora darmos prosseguimento às implicações metafísicas que esta representação geométrica quer simbolizar.
Como dissemos no artigo mencionado, o traçado do Zodíaco está relacionado à vesica piscis, forma que “guarda” dentro de si o raio de ambas as circunferências que dão origem a ela. Além disso, este é o raio do ciclo zodiacal, ou Yajna (“यज्ञ”), ou “Ano Sacrificial”. Este raio, no contexto em questão, simboliza “Agni” (“अग्नि”), o “Fogo Sacrificial”. Portanto, o Zodíaco, que nada mais é do que a síntese do tempo e do espaço qualitativos, surge com a mudança de posição de Agni em relação a um centro imóvel, aquele que não é movido. Como é comumente sabido, o fogo sacrificial era uma das maneiras de se estabelecer a comunicação ritual certa entre o homem e Deus, sendo este fogo alimentado pelo cordeiro sacrificial. Este tipo de sacrifício não só era comum entre os hebreus, mas também entre povos helênicos e arianos. E, fora os fatos históricos, a relação entre o cordeiro, o fogo e o sacrifício ritual encontra-se explicitada na etimologia: “agnus” (“cordeiro” em latim”, “Agni” e “ígneo”, em latim “igneus”, que deriva de “ignis”, “fogo”) possuem a mesma raiz proto-indo-europeia *h₁n̥gʷnis, que está relacionada a “fogo” ou “queima”. Notemos que “Agni” está mais próximo do sentido original que “agnus”, o que não é um problema em si. Podemos dizer que, na medida em que o latim derivou do proto-indo-europeu, a ideia condensada em Agni foi separada em dois termos, “agnus” e “ignis”, que explicitam notas diferentes sobre um mesmo princípio.
O que nos interessa, por hora, é termos em mente que o fogo e o cordeiro sacrificiais estão intimamente relacionados e na cultural ariana isso fica maximamente claro, conforme consta no “Rigveda”, 1.1.1.:
"Agni, o sacerdote divino, o invocador dos deuses, que oferece os sacrifícios e é o portador das dádivas."
Geometricamente falando, Agni, no Yajna, é vertical e aponta “para cima”. Esta posição representa o fogo sacrificial como este veículo de comunicação entre o homem e Deus. Curiosamente, o raio da circunferência pode ser lido indo do centro à periferia ou o inverso. Tratando-se de Áries, a primeira leitura remete diretamente ao homem que eleva suas intenções ao alto, a Deus, como faziam os levitas no Beit HaMikdash (“בית המקדש”). Por outro lado, na medida em que o raio rotaciona conforme a posição dos outros 11 signos zodiacais, podemos fazer uma leitura que vai da periferia ao centro, que representa a relação da criação ligada a Deus.
"O sacerdote queimará tudo sobre o altar como holocausto, oferta queimada de aroma agradável ao Senhor." (“Levítico”, 1, 9).
No mais, ambas as leituras não são excludentes, mas complementares, principalmente se considerarmos que, conforme consta no Livro 1 de Euclides, a reta está disposta entre dois pontos que, essencialmente, são o mesmo Ponto (ler o artigo “Simbolismo Geométrico - Segredos do Ponto”). Porém, reiteramos que, considerando Áries, iremos manter a primeira leitura simbólica.
Vale recapitularmos que este mesmo Agni é o Sanatana Dharma, (“सनातन धर्म”), ou “Lei Eterna”, que nada mais é do que a Metafísica Pura, os princípios compartilhados pelas doutrinas verdadeiramente tradicionais. Portanto, o Zodíaco varia, mas a lei que o rege permanece constante e parte de Deus e O tem como seu fim último. Podemos dizer que, em certa medida, os demais signos são variações contingentes de Áries, o mesmo princípio sob diferentes contextos. Ao termos isso em mente, podemos interpretar o simbolismo astrológico sob dimensões mais amplas.
Considerando o que foi dito, as diversas posições zodiacais são, geometricamente, proporções entre um arco traçado pela rotação do raio e a circunferência completa. Por exemplo, Câncer é um quarto de rotação, já Touro onze doze avos de rotação (que equivale a 30º). Assim, os demais signos são proporcionais a Áries. Conforme o significado de proporção, temos que, por exemplo, a posição geométrica de Virgem significa o quanto deste signo “cabe” em Áries, ou em outras palavras, em que medida estes se assemelham e desassemelham. Podemos dizer que os signos se assemelham pelo raio, ou pelo “todo” (rotação completa), e se se desassemelham pela posição/rotação do raio (arco traçado). Portanto, o Zodíaco é o conjunto de todos os contextos possíveis de manifestação de Áries. Não é à toa que é o signo cardinal do fogo, seu “coração”, seu “centro de manifestação”. É a representação deste fogo em sua mais pura essência, diferentemente de Leão, que seria este fogo relacionado àquilo que o “cerca”, aos outros elementos manifestados.
Mesha e a Ontologia
Posteriormente, veremos como Áries aparece nas culturas helênica e cristã, mas antes, vale retrocedermos à sua representação no Vedanta, que é uma das mais antigas tradições a que temos acesso. Mesha (“मेष”) significa literalmente “carneiro” e é o signo de Áries na astrologia vedantina, Jyotisha (“जोतिर्षा”, “Ciência da Luz”).
Conforme o “Shatapatha Brahmanas”, 6.1.1.8, "Prajāpati, desejando criar e sustentar o fogo dos sacrifícios, tomou a forma de um carneiro (Mesha) e o carregou em suas costas." Esta passagem explicita tudo que foi dito anteriormente. Vale ressaltar que Prajāpati é o próprio impulso criador de Deus, imagem mítica que relaciona o ato de criação ao ato sacrificial e à própria oração e ritos litúrgicos, na medida que estes conceitos essencialmente se intercambiam.
Além disso, Mesh,a como montaria de Indra (“इन्द्र”), relaciona poeticamente o ato de criação, ou manifestação, ao ímpeto guerreiro. Não é à toa que todos os símbolos abordados até agora estão intimamente ligados ao princípio ontológico essencial, oposto ao substancial, de maneira que Áries é também o enxofre alquímico, aspecto ontológico que dá forma à matéria, manifestando o ente.
"Indra, o senhor dos trovões, marcha à frente dos exércitos, montado no carneiro que desafia os deuses e os demônios." (Rigveda 1.51.1)
Como montaria de Indra, o carneiro remete à figura do raio, presente especialmente na poética helênica como arma de Zeus. É o raio símbolo da influência celeste sobre a terra, da divindade sobre a criação, que, se por um lado, está relacionado ao poder destrutivo da divindade, prenuncia a chegada da chuva que fecunda a terra e gera a vida. Assim, podemos interpretar Mesha como aquele que carrega a “assinatura” de autoridade de Deus como criador do mundo, como seu regente. Inclusive, o próprio raio, seja na simbólica de Indra ou de Zeus, traz em si os simbolismos do Mahanga (“महाङ्ग”), Mahatma (“महात्मा”) e Brahmatman (“ब्रह्मात्मन्”). Mahanga, simbolicamente, é o próprio raio, o poder marcial, a autoridade real e aspecto da justiça divina (“Guevurah”, “גבורה”). Mahatma seria a chuva, o ato de criação representado no orvalho celeste que tanto provinha da árvore da vida como originava o maná aos hebreus, sendo assim o aspecto da misericórdia divina (“Chessed”, “חסד”). Já Brahmatman é o próprio arco-íris que vem depois da chuva, a tradicional ponte entre céus e terra, o símbolo de aliança entre Deus e o Homem, o símbolo do caráter absoluto de Deus em relação a sua criação, sendo o aspecto da beleza divina (“Tiferet”, “תפארת”).
Estas últimas notas são interessantes pois, além de mostrar o caráter multifacetado de Áries, revela a íntima ligação deste signo com a origem e fim do ciclo, pois, se por um lado estamos falando de um signo associado ao raio e à guerra, também estamos tratando de um símbolo relacionado ao próprio dilúvio, no qual a chuva marca o início da história, e o arco-íris seu fim. Portanto, por mais que o signo de Peixes esteja ligado à ideia de ‘renovações cíclicas” e “fim de ciclos”, Áries também irá carregar essa dimensão à sua maneira (não obstante, sua posição geométrica é de 0º, que coincide com 360º, fim de Peixes e do Zodíaco em si).
Outra nota interessante sobre Mesha diz respeito à sua regência na Jyotisha. Na astrologia vedantina, há 27 Nakshatrāṇi (“नक्षत्राणि”), constelações lunares, e o Nakshatra Ashwini (“अश्विनी”) rege Mesha. Ashwini, na narrativa mito-poética, são deidades irmãs, gêmeos associados à medicina num sentido “asclepiano”. Curiosamente, os Ashwini estão relacionados ao signo de Mithuna (“मिथुन”), ou, como conhecemos, signo de Gêmeos. Esta regência astrológica é sumamente importante, não só para compreendermos Áries, mas a relação entre os signos de fogo e ar. No entanto, conforme o contexto védico, o que mais nos interessa aqui é que Mithuna está intimamente relacionado ao tantrismo. Essa é uma nota que aponta para as correspondências entre o simbolismo de Áries e o simbolismo sexual, que cabem ser analisadas agora.
Ares, Afrodite e Eros
O termo “Áries” faz, naturalmente, reminiscência a “Ares” (“Ἄρης”), o famoso “deus da guerra” do panteão helênico. Curiosamente, estes dois termos não possuem relações etimológicas diretas, ao contrário de “agnus” e “Agni”, como expusemos. Porém conseguimos intuir derivações conceituais indiretas. “Áries” vem do latim “arietis”, “carneiro”, proveniente da raiz indo-europeia *h₁erh₃-, que significa algo como “mover-se para frente”, “pôr-se em movimento”, principalmente no sentido de ir de encontro a um obstáculo. Já “Ares” pode ter vindo do dórico “ἆρα” (“âra”), que significa “ruína”, “destruição”, ou mesmo pode ter origens mais profundas na raiz proto-indo-europeia “*ar-/”, que significa tanto"unir","encaixar", “ajustar”, quanto “atacar”. Apesar de não serem claras as relações etimológicas, podemos vislumbrar relações simbólicas totalmente adequadas, uma vez que as ideias de “movimento”, “ataque” e “encaixe” (principalmente no sentido de “ajustar algo”) são notas concomitantes e complementares no simbolismo de Áries. Tanto a ideia de “ataque”, quanto de “movimento”, possuem um vínculo notório, ao mesmo tempo que parecem ser contrárias à ideia de “encaixe” e, principalmente, “união”.
Obviamente, “ataque” e “movimento” são conceitos que evocam a ideia de separação, distinção entre duas coisas, diferenciação, porém, tratando-se especialmente do domínio simbólico, separar duas partes, implica em distinguir algo - o signo de Áries, no domínio da psicologia humana, pode representar o indivíduo que se “destaca” dos demais, ou seja, na medida em que apreende a si mesmo como pessoa, separa-se da multidão, o que, em outras palavras, pode representar uma noção clara do espaço que ocupa entre seus pares, uma noção clara de “encaixe” ou “ajustamento social”. Isso é algo ilustrado muito bem pelo já citado enxofre alquímico (forma), que, ao agir sobre o mercúrio (matéria), “separa” aquilo que é suficiente para o surgimento do sal (ente). É o que ocorre na lapidação da pedra: separa-se o modelo da escória, surgindo a escultura. Esse é o sentido profundo da seguinte passagem evangélica:
“Não pensem que vim trazer paz à terra! Não vim trazer paz, mas a espada.” (“Evangelho de São Mateus”, 10, 34)
Naturalmente, esta passagem possui várias dimensões, mas a ideia que analoga todas elas é aquela que está na raiz do caráter marcial do Cristianismo, o cerne da essência guerreira. Estas palavras de Jesus Cristo podem ser complementadas pela parábola do “Joio e do Trigo” (“Evangelho de São Mateus” 13, 24 a 30), na qual a ideia de separação se faz presente de maneira mais detalhada. Separar algo é destacar esse algo, abstrair sua essencialidade, captar sua unicidade - perceber algo é perceber o que esse algo é e o que não é, ou seja, separá-lo do todo.
Não obstante, a ideia da marcialidade, em seu caráter ideal, saudável, está relacionada ao amor. Isso ficou bem representado na escultura Ares Ludovisi, representação romana de um original grego, descoberta em 1622. Aos pés de Ares, encontramos um pequeno Eros, que contrasta seu ar folgaz com o aspecto solene do ministro da guerra. A figura de Eros remete à íntima relação de Ares e Afrodite, tão bem ilustrada no próprio simbolismo astrológico. Ambas as deidades são comumente representadas como um casal, o que remete à proximidade que existe entre a luxúria e a violência, ou entre o amor e a coragem, aprofundada no Mithuna já mencionado. Não podemos nos aprofundar no mito de Ares e Afrodite sem tergiversarmos muito de nossa exposição principal, no entanto, não podemos nos furtar de mencionar a complementaridade simbólica que existe entre os hieróglifos tradicionais de Marte e Vênus.
É evidente que ambos os hieróglifos são opostos, mas não contrários, e sim complementares. Esse é outro elemento estético-simbólico que ilustra a relação entre Áries e o amor, representado na figura de Vênus/Afrodite. Sendo analogados em torno da simbólica da cruz e do circunferência, podem representar o amor do guerreiro ou a vileza do bárbaro. Ambas as formas, cruz e circunferência, dizem respeito à ordem cósmica, mas em contextos diferentes: a cruz representa o movimento de expansão e determinação das essências; a circunferência a preservação e reunião das essências. Em Marte, a cruz sobre a circunferência (forma da “Granada Sagrada” cristã) evoca a ideia de realização das essências possíveis reunidas. Já seu inverso, Vênus, representa o resguardo daquilo que foi realizado pelas essências (não obstante, o signo de Virgem, associado a Vênus, era comumente ilustrado pela Virgem Santíssima carregando o pequeno Cristo, imagem notoriamente maternal e que remete ao cuidado daquilo que passou a existir).
Tratando brevemente da união sexual, se por um lado seu caráter ctônico é “lei” no mundo moderno, tradicionalmente possui uma dimensão sagrada (afinal é através dela que nasce uma criança). Na relação sexual saudável, tanto o ímpeto marcial, quanto o resguardo venusiano, se fazem presentes provocando uma tensão que culmina na catarse. Essa catarse é representada pela sobreposição das circunferências dos hieróglifos de Marte e Vênus. Quando isso ocorre, temos um novo símbolo: o círculo com duas cruzes diametralmente opostas, o que representa a criação coroada por Deus e limitada por Ele como seu princípio e fim. No entanto, podemos representar a relação sexual desordenada como sendo a justaposição das duas cruzes, que resultaria em uma única cruz com um círculo em cima e outro em baixo, o que representaria o sentido oposto do primeiro símbolo. Há mais a ser dito sobre essas combinações, mas cremos que expomos o suficiente.
Devemos mencionar que o Ares Ludovisi adornava o templo de Marte fundado em 132 a.C. por Brutus Callaecus, ou seja, possuía um provável caráter cerimonial, e não só ornamental. Enfatizamos este dado histórico pois é algo que diz o suficiente sobre como deveria ser a veneração a Ares/Marte na época. Diferentemente de um Estupro de Proserpina, esculpido por Lorenzo Bernini, ou do Davi do mesmo artista, a escultura de Ares em questão não possui a violência e dinâmica do primeiro, nem a tensão quase explosiva do segundo, pelo contrário, lembra muito mais o Davi de Michelangelo em sua calma e aspecto contemplativo. Nesta escultura, encontramos o filho de Zeus quase em estado meditativo, introspectivo, com suas armas repousadas. Esse é um vislumbre do quão complexa pode ser a dimensão simbólica de Ares, Marte ou Áries, indo além da pura violência. Inclusive, o fato do pequeno Eros estar aos pés de Ares remete à marcialidade adequada, à virilidade virtuosa, aquela que dominou os desejos.
Sun Tzu e o Ímpeto Guerreiro
“As armas são instrumentos de mau agouro. A guerra é uma questão tão séria que deve haver toda precaução para que os homens não entrem nela sem a devida reflexão” (Li Ch’üan)
Estas palavras do sábio comentarista de “A Arte da Guerra”, o tratado militar de Sun Tzu, refletem a essência do Ares Ludovisi e ilustram as sutilezas tanto da guerra, quanto do ímpeto guerreiro. Tradicionalmente, a guerra, como diz Sun Tzu, “é um assunto de importância vital para o Estado”, e assim sendo, Li Ch’üan diz que “Não premieis a matança”. Conforme lemos o tratado, fica claro que o guerreiro não pode ser alguém brutal, mas temperado, sóbrio e equilibrado - a batalha inicia, antes de tudo, dentro de si mesmo.
Sun Tzu elenca cinco virtudes essenciais do general: sabedoria, sinceridade, humanidade, coragem e exigência. Sobre isso comenta Li’Ch’üan: “Essas são as cinco virtudes do general. É devido a elas que o exército o conhece por ‘O RESPONSÁVEL’”. Sobre a mesma passagem de Sun Tzu, Tu Mu, outro notório comentarista chinês, disse o seguinte…
“Se for sábio, o comandante será capaz de reconhecer a alteração das circunstâncias e, com rapidez, reagir a elas. Se for sincero, os seus homens acreditarão nas suas recompensas e nos seus castigos. Se for humano, amará a humanidade, simpatizará com os outros e saberá apreciar-lhes o engenho e o esforço. Se for corajoso, alcançará a vitória, agarrando-se às oportunidades sem hesitação. Se for exigente, as suas tropas serão disciplinadas, respeitando-o e temendo-lhe as punições.”
Portanto, o ímpeto guerreiro saudável implica em virtudes que normalmente não são atribuídas a esse tipo de disposição. Associar Áries ou Ares necessariamente à violência é um erro simbólico comum, principalmente entre aqueles que instrumentalizam o Simbolismo. Naturalmente, sendo Deimos, o Terror, e Fobos, o Medo, companheiros de Ares, a dimensão negativa do ímpeto guerreiro é uma nota que constitui o simbolismo de Áries, mas não o resume. É importante termos isso em mente, principalmente quando consideramos o simbolismo desse signo no contexto do Zodíaco, como pontuamos até agora. Sun Tzu, por exemplo, ensina que é melhor conquistar uma cidade sem destruí-la, derrotar um exército sem massacrá-lo e, até mesmo, vencer uma guerra sem lutar, como fez Confúcio, provavelmente entre 501 a.C. e 497 a.C., quando estava a serviço do Estado de Lu, ao derrotar tropas inimigas usando somente vacas, tochas e panelas, assustando os adversários.
Podemos resumir a essência do ímpeto guerreiro com as seguintes palavras de G. K. Chesterton:
"O verdadeiro soldado luta não porque odeia o que está à sua frente, mas porque ama o que está atrás dele." (G. K. Chesterton, em “Illustrated London News”, ed. 1/14/11).
As palavras do filósofo inglês refletem o cerne do que Áries representa no Zodíaco: impulso e movimento precedido pelo amor. Esse é um dos temas místicos que diz respeito sobre a Vontade Divina em criar o mundo: um primeiro movimento impulsionado pelo Amor. No entanto, como já pontuamos insistentemente, a dimensão negativa de Áries existe, principalmente no que diz respeito à psicologia humana. Trata-se da potência marcial desarmonizada com o todo. Este fato é ilustrado pela “Revolta dos Xátrias”, abordada por Réne Guénon. Conforme o autor francês, quando o senso de hierarquia ontológico-metafísica não é respeitada pela casta guerreira do Xátria (“क्षत्रिय”), esta se revolta, em especial, contra a casta sapiencial do Brâmane (“ब्राह्मण”). Em termos astrológicos, podemos dizer que é considerar a circunferência do ciclo zodiacal negligenciando o seu centro imóvel.
Se voltarmos às ideias de “A Arte da Guerra” e de seus comentadores, veremos que muitas das virtudes necessárias ao sábio também são essenciais ao guerreiro - pode um verdadeiro sábio não ser corajoso ou ter senso de justiça?! A questão diz respeito tão somente à maneira como essas virtudes são aplicadas: todas são cultivadas interiormente, mas o guerreiro, o homem do estado, as põem a serviço da manutenção da pólis, enquanto que o sábio se dedica à formação daqueles que governam (caso consideremos o contexto da politeia). Esta realidade ficou bem caracterizada nas relações entre Aristóteles e Alexandre, o Grande, e, de maneira mais desvirtuada, entre John Dee e a rainha Isabel I, da Inglaterra.
O Velo de Ouro
Não podemos deixar de mencionar a origem da figura de Áries conforme a poética helênica, segundo a qual, antes de se tornar uma constelação, Áries era um carneiro alado de pele dourada enviado por Néfeles para salvar seus filhos Frixo e Hele, enviando-os a Cólquida. Chegando lá, Frixo sacrificou o carneiro a Zeus, porém, algumas fontes apontam que o sacrifício fora feito a Ares. Após o sacrifício, a pele do carneiro, o velocino de ouro (“Χρυσόμαλλο”, “Crisómalo”), foi posta em um carvalho sagrado e passou a ser protegida por um dragão.
O próprio fato do velocino ter sido mantido em Cólquida diz muito sobre seu simbolismo. Em primeiro lugar, a ideia geral é de que este reino seria a atual Geórgia, porém, mais importante que sua localização geográfica, é sua “localização” simbólica: localizado no extremo-leste, este reino é carregado de imagens solares (o próprio leste é identificado ao Sol, pois é “dele” que este nasce). Isso leva Cólquida a ser identificada com os Mistérios Maiores, sendo propriamente um “local de iniciações”, como ocorreu notavelmente com Jasão, que tem, na vitória sobre o dragão e na conquista do velocino de ouro, a realização de uma iniciação. Naturalmente não podemos esgotar as implicações simbólicas do mito de Jasão sem tergiversarmos de nosso intento principal, mas vale sublinhar como a ideia do Crisómalo dialoga com o Zodíaco.
Frixo e Hele eram filhos de Néfeles, uma das oceânides, uma ninfa relacionada às águas (“Néfeles” vem de “Νεφέλαι”, “Nefélai”, "nuvens"). Além disso, a jornada dos dois irmãos ocorre sobre os mares e a própria Cólquida era identificada como um reino ao extremo de um mar. Portanto, a imagem do carneiro dourado, seja como veículo alado, seja como troféu, está intimamente relacionada à imagem da navegação, imagem essa que é uma das maneiras de se compreender o Zodíaco, em especial na narrativa da Arca de Noé. Vemos que poética helênica e na bíblica, a ideia de “ciclo” e “fim de ciclo” relacionam-se com o símbolo da água, tanto pelo conceito de “navegação” (a Arca e o carneiro como transportes), quanto pelo signo final do Zodíaco, Peixes. E vale relembrarmos que Mesha era a montaria de Indra.
A relação entre Áries e Peixes é extremamente íntima e, na história do Crisólamo, a figura carneiro aparece como início da jornada e como ponto final, porém, qualitativamente diferenciado, pois, como tesouro guardado em Cólquida, este mesmo carneiro demarca o fim da primeira viagem (de Frixo e Hele) e o início da segunda (de Jasão e os Argonautas), que é a própria iniciação nos Mistérios Maiores. Isso diz respeito a outro fato importante sobre o Zodíaco: ele não descreve estritamente um movimento repetitivo, mas um movimento de aproximação ou afastamento do centro - um movimento espiralado. Avançar nos Mistérios Maiores seria dominar cada vez mais o conhecimento metafísico propriamente dito, representado pelo aproximar-se do centro, da unidade de conhecimento. Arquetipicamente falando, é como se o philósophos passasse por sucessivas conquistas de sucessivos velos de ouro, sendo cada uma delas um passo em direção ao conhecimento do Logos, mais um degrau subido na Escada Sabedoria.
Talvez para a surpresa de alguns leitores, tudo que fora dito até agora aparece ilustrado no “Apocalipse de São João”, podemos dizer inclusive que esse seja um dos cernes da narrativa simbólica do “Apóstolo Amado”. Este é o último ponto que cabe analisarmos.
Agnus Dei na Arte Medieval
"E vi, e eis, no meio do trono e dos quatro seres viventes, e entre os anciãos, um Cordeiro, como tendo sido morto, que tinha sete olhos e sete chifres, os quais são os sete espíritos de Deus enviados por toda a terra." (“Apocalipse de São João”, 5, 6)
As menções ao Agnus Dei, “Cordeiro de Deus”, no “Apocalipse de São João” são inúmeras e cabem diversos estudos sobre o tema, no entanto o que mais nos interessa aqui é como a cristandade medieval representava o Verbo Divino sob a figura do Cordeiro Imolado. No manuscrito inglês “Apocalipse de Dyson Perrins” (nome de seu antigo dono), datado entre 1255 e 1260, encontramos uma famosa representação do Agnus Dei conforme a descrição dada na citada passagem do “Apocalipse de São João”, e chama a atenção o fato da figura estar dentro de um vesica piscis. Isso não é um motivo decorativo acidental, pois inúmeras são as representações do Cristo dentro desta forma, como podemos observar no tímpano da Catedral de Chartres, ou nos códices “Beato de Silos”, “Beato de Arroyo” e “Beato de Liébana”. Estas representações descrevem a ideia metafísica do Sanata Dharma preservado no vesica piscis, abordada em nosso artigo anterior, e a identificação da Lei Eterna vedantina com o próprio Logos: é o Logos, o Cristo, o Cordeiro de Deus esta lei imutável, a própria ordem que rege o mundo. Se por um lado o Zodíaco, como símbolo da manifestação, da Criação de Deus, é caracterizado pelo movimento e pelas mudanças, o raio que determina esse movimento vai do centro a Áries.

Outra representação digna de nota também está no códice “Beato de Liébana", no qual vemos o Agnus Dei guerreando contra dez reis que representam os dez chifres da besta que a Prostituta da Babilônia monta. Esta última figura explicita o caráter marcial do Cristianismo na própria figura de Jesus, o Cordeiro de Deus.
Independentemente da cultura analisada, sendo verdadeiramente tradicional, o simbolismo de Áries contempla a dimensão do Logos como criador e ordenador do cosmos, o que nos leva à ideia do próprio Verbo de Deus representado como uma figura guerreira, uma vez que esta contempla as idéias de manutenção da ordem, o propósito essencial do guerreiro. Isso nos leva a duas reflexões complementares: Deus mantém o mundo movido pelo amor e mantê-lo é preservar sua ordem, como faz o soldado que sacrifica sua vida pela paz daqueles que ama. Se seguirmos nesta cadeia de raciocínio, temos um vislumbre do significado profundo da seguinte fala do Cristo:
“Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que, antes que Abraão existisse, eu sou.” (“Evangelho de São João”, 8, 58)
E como analisaremos em outra oportunidade, a realidade da Cruz transcende o próprio tempo. Podemos dizer que a Cruz de Cristo é a própria estrutura da realidade: Cruz, Cristo e Cordeiro são todos o mesmo sentido último do cosmos, seu fim e começo inescapável. Naturalmente, poderíamos fazer análises específicas e mais aprofundadas sobre cada ponto elencado neste artigo, mas essa é tarefa que realizaremos posteriormente em outros estudos.
Bom artigo. A partir disso surge o guerreiro ideal, não somente o que possui qualidades excepcionais, mas o que, como o cordeiro, sacrifica a si mesmo ou o que lhe era próprio por Deus. São Luís, Godofredo de Bulhões, Ricardo coração de Leão e tantos outros são exemplos do sacrifício do material (falando sobre possessões) pelo imaterial.O senhor disse outrora que estava fazendo um sobre capricórnio, estou particularmente interessado nele.
Ótimo texto, Davi