Notas Preliminares
No artigo “Simbolismo de Áries”, analisamos profundamente o simbolismo desse signo, sem porém tentar esgotá-lo. Seguimos agora com nossas análises, desta vez analisando o início do movimento de Áries no Zodíaco. Isso implica no que chamamos de “casamento” entre Marte e Vênus, “casamento alquímico” certamente, que possui implicações simbólicas, logo psicológicas por influência ontológica, de maneira que iremos penetrar as várias camadas de significado.
No artigo mencionado, escrevemos o seguinte:
“Não podemos nos aprofundar no mito de Ares e Afrodite sem tergiversarmos muito de nossa exposição principal, no entanto, não podemos nos furtar de mencionar a complementaridade simbólica que existe entre os hieróglifos tradicionais de Marte e Vênus.” (Davi Neto, em “Simbolismo de Áries”)
E seguimos:
“É evidente que ambos os hieróglifos são opostos, mas não contrários, e sim complementares. Esse é outro elemento estético-simbólico que ilustra a relação entre Áries e o amor, representado na figura de Vênus/Afrodite. Sendo analogados em torno da simbólica da cruz e do circunferência, podem representar o amor do guerreiro ou a vileza do bárbaro. Ambas as formas, cruz e circunferência, dizem respeito à ordem cósmica, mas em contextos diferentes: a cruz representa o movimento de expansão e determinação das essências; a circunferência a preservação e reunião das essências. (…)” (Davi Neto, em “Simbolismo de Áries”)
Cabe agora analisar os glifos de Marte e Vênus pormenorizadamente, bem como suas duas combinações citadas. No entanto, para penetrarmos adequadamente neste tema, cabe lermos este casamento simbólico desde a significação de Áries. Como analisamos de maneira mais detida no mesmo artigo, Áries representa o próprio Sanatana Dharma, (“सनातन धर्म”), “Lei Eterna”, o raio da circunferência do Zodíaco que varia de posição mas permanece o mesmo. O movimento de Áries “desenha” o Zodíaco, sendo cada signo uma posição de Áries, uma proporção em relação à posição original (de grau “0”, caso usemos a simbólica da trigonometria).
Partindo deste pressuposto, Touro, o signo que segue imediatamente a Áries é um proporção deste, uma aplicação contingente. Veremos, na medida em que expormos parte da doutrina iniciática ao longo de nossos escritos, que essa abordagem proporcional são diferentes interações entre o enxofre e o mercúrio alquímicos. Penetramos, assim, o caráter metafísico e cosmogônico do Zodíaco.
Se pensarmos em uma simbólica cartesiana, de Áries a Touro, temos uma primeira impressão de Áries sobre o plano horizontal (eixo das abscissas). Quando Áries está na posição “0” de “x”, este símbolo é todo abarcado no eixo das ordenadas, eixo “y”. Ao deslocar-se a Touro, Áries é abarcado proporcionalmente nesta posição conforme suas possibilidades inerentes. Ora, sendo Áries também símbolo do espírito, da influência vertical, e o Zodíaco uma esquemática simbólica das contingências cósmicas, Touro é a origem da manifestação horizontal, o que se segue ao “fiat lux”. Vale mencionarmos antecipadamente que, conforme André Barbault, em seu “Tratado Prático de Astrologia”, Áries é o “hipermacho” e Touro a “hiperfêmea”. Com isso em mente, podemos prosseguir.
Movimento Inicial
No Zodíaco, de Áries se vai a Touro, o famoso desenvolvimento da primavera, de seu início a sua estabilidade: o ímpeto pela vida se estabelece no campo tomado pelo florescimento. Este momento muito nos interessa, pois ele se perfaz entre os dois símbolos mais masculino e feminino no Zodíaco. Podemos intuir daí que o movimento de geração zodiacal parte de um princípio masculino que age sobre um princípio feminino, de maneira que os demais símbolos que seguirão aparecem como prole deste “casamento”.
Aqui devemos analisar a constituição “simbólico-cromática” de ambos os signos conforme as dignidades planetárias que comportam. Observando isto, notamos que, entre os pares Áries-Libra e Touro-Escorpião, no que diz respeito ao domicílio e ao exílio planetários, Marte e Vênus, mais do que contrários, se complementam (a dignidade em um é o exílio no outro). Por mais que a simbólica dos pares zodiacais seja de suma importância, não as abordaremos aqui. Atentemo-nos ao fato de que, em Áries, o Marte é domiciliado e Vênus é exilado, bem como em Touro ocorre o inverso. Vale mencionar que Áries também é caracterizado pelas exaltação do Sol e queda de Saturno, enquanto que em Touro temos apenas a exaltação da Lua. Portanto, no signo inicial, temos Marte e Sol dando o seu “colorido”, já no segundo, Vênus e Lua. Assim, podemos ver Áries pintado com o vermelho e o dourado, e Touro com o verde e o prata.
Touro, sendo a primeira manifestação horizontal na simbólica cartesiana, é a primeira feminilidade, o feminino desde o masculino. Em Áries há a mencionada queda de Saturno, ou seja, o enfraquecimento do princípio dos limites, a predominância da expansão, da vontade de conquista. Em Touro não há planetas em queda - há um espaço vazio. Esse espaço vazio é o útero simbólico, a receptividade feminina ao masculino, a terra que pode ser fecundada, a floresta que se agita ao ribombar do raio fumegante. Este amplexo entre o “hipermacho” e a “hiperfêmea” se desenvolve até o domínio total da horizontalidade: o par Câncer-Capricórnio. Este é o outro par com dignidades planetárias totalmente completadas, é a fêmea fecundada, não mais amante, mas genitora - o útero simbólico foi preenchido na queda de Marte: na gestação, a mulher protagoniza a vida familiar e o macho a orbita, põe-se ao seu serviço. Em Câncer-Capricórnio, todo o Áries está contido pelo eixo das abscissas, seu sentido é um “apagar-se” para que a mãe de origem à prole. Este novo Áries aparece na figura do Áries-Capricórnio, o Áries “domado”, Áries saturnino, amadurecido, que agora conhece os limites, que não tem mais seu sentido em uma expressividade individualista, mas como mantenedor do outro.
Podemos dizer que a primavera iniciada de Áries a Touro é uma espécie de enamoramento, o intercurso sexual (tão ilustrado na atividade polinizadora dos insetos). Este enamoramento é também entre o espírito e a alma. Sendo Áries a imagem mais cristalina do espírito refletido na alma, algo como a Neshamah (“נְשָׁמָה”), Touro é o início da elaboração da racionalidade. Peixes, nesse sentido, é a razão que vislumbra a realidade do espírito, da intuição. Ilustramos isso pelo seguinte esquema:
Áries é o vislumbre da unidade;
Touro o início da captação das partes;
Peixes a intuição da unidade pela percepção do sentido das partes analogadas em torno de uma razão comum que evoca a noção de conjunto.
Seguindo este desenvolvimento, Libra figura oportunamente como o equilíbrio entre a percepção simultânea dos elementos e do conjunto. Este desenvolvimento gnosiológico aparece esquematizado entre as 12 etapas do Zodíaco, mas são simultâneos no seu centro, o eixo polar, imóvel e ordenador. Podemos dizer, portanto, que, o ideal é um Zodíaco “centrípeto”, que volta-se ao seu centro, e não um “centrífugo”, que leva à dispersão, à dissolução, a uma visão cada vez mais descontextualizada dos símbolos, algo, literalmente, diabólico.
Os Dois Tipos de Casamento
Os Zodíacos “centrípeto” e “centrífugo” vão aparecer justamente na combinação entre os glifos de Marte e Vênus.
Ambos os glifos são combinações da cruz e do círculo. Cabe elaborarmos mais detalhadamente o significado de ambos os símbolos.
A cruz representa o desenvolvimento das possibilidades a partir do centro e, simultaneamente, o surgimento do ente a partir da influência do princípio vertical-masculino sobre o princípio horizontal-feminino, estando em acordo com a lei do microcosmos e do macrocosmos, um sendo reflexo do outro. Em nosso artigo “A Metafísica do Zodíaco - Do Triângulo ao Quadrado”, analisamos os significados metafísicos do glifo da operação de soma, que é tão somente uma cruz. Lá, explicamos o seguinte:
“Na soma, temos um eixo vertical cruzando um eixo horizontal. O eixo vertical representa a essência, a qualidade, a ação dos “céus”, ou mesmo Deus. Já o eixo horizontal representa a substância, a quantidade, a recepção da “terra”, ou mesmo o cosmos. A depender do contexto, cada um destes simbolismos será possível. De qualquer maneira, no geral, temos um princípio superior agindo sobre um princípio inferior, ou a ação de um determinante sobre um determinado.
'“Como é sabido, o ente é a ação da essência sobre a substância. Na cruz, portanto, o ente é representado pelo ponto onde ambos os eixos se encontram. Como já expusemos em outro momento, o ponto é, por definição, adimensional, infinito, já a reta é unidimensional, finita. Assim, o Ponto é hierarquicamente superior à linha, logo, o encontro de duas linhas culmina na revelação de um ente superior, o Ponto. É daí, inclusive, que vem a ideia das retas partindo do Ponto. Em termos simbólicos, também podemos dizer que o ente está para o ponto, em seu caráter relativo, que seria mais propriamente a pontualidade, como a essência está para a reta vertical, e a substância para a reta horizontal. É desta analogia que parte o conceito de que tudo aquilo que existe, sendo combinações da essência e da substância, dá um testemunho da ação criadora de Deus - Ponto Absoluto. Esta analogia também representa o presente como símbolo do infinito, uma vez que esse seria o encontro entre o passado, representado pela reta vertical, e o futuro, representado pela linha horizontal. Portanto, em um contexto cronológico, o presente não é o Ponto em si, mas uma pontualidade, um ponto relativo.” (Davi Neto, em “A Metafísica do Zodíaco - Do Triângulo ao Quadrado”)
A reta vertical, sendo dimensional, é a dimensionalidade que comporta toda a pontualidade - é a reta que demarca uma posição na reta vertical, a manifestação, em um nível ontológico, das possibilidades comportadas por uma forma específica.
É a própria cruz figurada na combinação entre os pares Áries-Libra e Câncer-Capricórnio, que, como abordado brevemente, dão a “tônica” do Zodíaco, demarcam suas quatro qualidades principais no simbolismo das estações. Enfim, a cruz, no ciclo zodiacal, é o desenvolvimento das possibilidades, algo como o encontro entre Áries e Vênus.
O Círculo, por sua vez, carrega a ideia das possibilidades desenvolvidas, da criação consumada, dos “Dez Mil Seres” taoísta. É a Arca de Noé coroada pelo arco-íris, as possibilidades universais entre Purusha (“पुरुष)”) e Prakriti (“प्रकृति”). Carrega, em si, a noção de limite, o Saturno que freia Áries. Voltando à simbólica cartesiana, se a cruz são os eixos das abscissas e das ordenadas, o círculo é o espaço que comporta todas as coordenadas possíveis, todas estas analogadas entre si em torno de sua origem comum que é a influência entre os dois eixos, que se interseccionam na chamada “origem”, coordenada (0,0) (nomenclatura muito oportuna, diga-se de passagem).
Portanto, em Áries, temos a cruz sobre o círculo, o domínio da expansão sobre a limitação, o Marte domiciliado fortalecido pelo Saturno em queda e pela Vênus exilada. A expansão marciana, que se dá em Áries, fulgura de maneira incandescente no brilho do Sol exaltado. Em Vênus, por sua vez, o círculo sobrepuja a cruz, o vislumbre dos limites se impõe, a contenção aparece em detrimento do desenvolvimento. Temos, assim, a ideia de ordem acabada.
Ora, o “hipermacho” se caracteriza pelo vontade de conquista impetuosa, já a “hiperfêmea”, pela contenção e resguardo deste desenvolvimento ariano. Vale dizermos que, na simbólica da civilização, é na medida que a vontade ariana conquista o espaço plano, que a civilização aparece como imposição de limites, na circunscrição dos hábitos, representado na imagem da cidade murada. Não é à toa que Libra, em oposição à Áries, aparece como espécie de pêndulo motor que impulsiona a conquista ao estabelecimento da pólis, do senado, das leis (Eneias, ao sair da Troia pisciana dissolvida, funda a Roma libriana).
Compreendido um pouco mais o simbolismo por trás dos glifos de Marte e Vênus, cabe analisarmos suas duas combinações fundamentais.
Casamento Unitivo
O casamento unitivo ocorre quando os dois círculos de ambos os glifos coincidem. Quando isso ocorre, temos um círculo “emoldurado” por duas cruzes. Aqui a cruz aparece como início e fim na criação, a criação parte do Logos e volta a Ele - a limitação não é absoluta e encontra-se sob o julgo da onipotência divina.
Além disso, entendendo as duas cruzes como dois logoi (“λόγοι”), temos a ideia de dois princípios hierarquicamente ordenados dando origem a uma criação, a um “mundo”, imagem simbólica da ação de Purusha sobre a receptividade de Prakriti. É o Marte que fecunda Vênus, originando o útero alquímico de Câncer, a Arca de Noé que carrega os germes da criação.
Esta união aparece narrada na seguinte passagem do “Kama Sutra”:
“O mundo é sustentado pela união de homem e mulher (mithuna-dharma), e a continuidade da vida é garantida por isso.” (“Kama Sutra”, cap. 2, verso 1)
A “continuidade da vida” é simbolizada pelo círculo comum: o dharma do homem e da mulher se integram no traçado de uma única narrativa, uma única “história”, de maneira que o intercurso sexual entre homem e mulher é uma imagem simbólica dessa da lei ontológica da ação da forma sobre a matéria. Isso também fica explicitado no “Bhagavata Purana”:
“Homem e mulher são como dois lados de uma mesma verdade; quando unidos no dharma, tornam-se a morada de Deus.” (“Bhagavata Purana”, 3.24.35)
Quando Áries se deixa conter pelo eixo horizontal de Câncer-Capricórnio, culminado no citado Marte-Carpicórnio, ou Marte capricorniano, há a possibilidade da união, Yoga (“योग”), conforme o “Kularnava Tantra”:
“No mithuna está a essência do ritual supremo. A união não é apenas carnal: ela é yajna (sacrifício), ela é yoga (união).” (“Kularnava Tantra”, 1.20)
O movimento ariano é Yajna (“यज्ञ”), é um movimento “sacrificial”, logo, plenamente ritual. Sendo ritual, implica em uma ordem deliberada em direção ao Logos.
Assim, o “casamento unitivo” é símbolo do “Mithuna” (“मिथुन”), a união ritual entre homem e mulher, Purusha e Prakriti, Shiva e Shakti. Esta implicação ritual, como princípio simbólico traduzido no ciclo zodiacal, inclusive, possui uma leitura no nível da própria relação sexual entre homem e mulher. No entanto, como é comum com as doutrinas orientais, este conhecimento foi desvirtuado especialmente pela “New Age” ocidental, sendo reduzido a meros jogos sexuais, destituído de todo seu caráter metafísico. O que nos interessa aqui é que, independentemente da aplicação, o Mithuna, sendo esquema simbólico e símbolo em si, possui um caráter narrativo: o intercurso entre masculino e feminino analogado em torno de uma narrativa comum.
Nesse sentido, o casamento sacramentado não é uma confirmação desta união. Idealmente, sim, o casamento é Yoga e Yajna, mas quão habitual não se tornou aceitarmos com naturalidade matrimônios fadados ao fracasso, ao mero jogo de aparências burguesas?! O casamento sacramentado deve, antes de tudo, ser o reconhecimento de disposições que já existem potencialmente, coaguladas pela ação espiritual do Logos. Quando se torna mera convenção social, não difere muito da relação sexual utilitária, representada no casamento alquímico “divisivo”.
Casamento Divisivo
Esta contraparte do par Marte-Vênus surge quando a cruz de cada um dos glifos se justapõem. Conforme o que foi exposto, podemos intuir, em primeiro lugar, que aqui não há a união de duas histórias, que cada um engendra egoisticamente seu próprio “mundo”.
Nesse tipo de relação, homem e mulher se usam de maneira instrumental para erigir sua própria narrativa (o outro não tem participação comunitária, não há mútua responsabilidade). Além disso, como a distinção entre sujeito e objeto não é absoluta, não há que se falar em um utilitarismo total - na medida em que narrativas dissociadas, dissolutivas, se formam, Marte e Vênus se confundem. Isso fica bem visível no contexto de liberação sexual contemporâneo, nas figuras da mulher masculinizada e do homem feminilizado. Notavelmente, o homem que busca os prazeres de maneira desmedida, que faz da mulher um instrumento de satisfação, possui cada vez mais traços femininos, não forma o Marte capricorniano. Esse arquétipo foi ilustrado no Don Giovanni, de W. A. Mozart, e, de maneira muito mais trágica, no Marquês de Sade. Ora, o “Hatha Yoga Pradipika” é contundente quanto isso, ao dizer que:
Aquele que desperdiça seu sêmen (bindu) com frequência jamais terá êxito no yoga. A castidade (brahmacharya) é o fundamento do êxito espiritual. (“Hatha Yoga Pradipika”, 2.38)
No utilitarismo sexual, sujeito e objeto, ao contrário do que pretendem, se confundem: há a perda de sentido. A percepção de si se esvanece. Se no casamento unitivo, pelo Mithuna, homem e mulher tem uma autopercepção cada vez mais cristalina, no casamento divisivo essa autopercepção torna-se cada vez mais difusa, como um eterno estado pisciano que não culmina no ariano. Como consta no “Brhadaranyaka Upanishad”:
“Aquele que se une à mulher sem consciência, como um animal, perde o brilho do ser. Tal união não gera fruto espiritual.” (“Brhadaranyaka Upanishad”, 6.4.18)
Porém, como pontuamos acima, entender que o casamento, como rito social, promove alguma solução ao problema da relação instrumental, utilitária, é cair na mais pura ingenuidade deletéria. Pelo próprio caráter do contexto em que vivemos, inúmeros são os casamentos que perderam seu sentido sacro: com o Catolicismo sendo reduzido a “estilo de vida”, o casamento virou instrumento de ganho de “prestígio social” (ou, mais precisamente, “prestígio digital”). O caráter privado da família e, especialmente, da vida de casal, é cada vez mais prostituído pela publicização por parte daqueles que dizem defender o sacramento do matrimônio. Ora, não poderia ser diferente, afinal, a lógica das aparências é o império dos acidentes e o exílio das essências. Seria algo como um movimento de Áries a Peixes, e não desse a Touro. É, por fim, o Zodíaco centrífugo que mencionamos, a perda do senso de unidade.
Quem vê o casamento como um ferramental certo contra o casamento divisivo, faz dele instrumento, o reduz a método, e nisso há o ímpeto por não assumir responsabilidades - não há o Marte capricorniano, mas o Marte canceriano, o Áries tímido, afeminado. Às vezes, um casal de enamorados despretensiosos, que agem conforme uma intuição natural e pela responsabilidade do bem-estar do outro, pode coagular o casamento em sua forma essencial, e não como mera aparência - inclusive sacramentando a união naturalmente.
O Sacrifício e a União
O casamento unitivo é uma realidade metafísica que supera qualquer desvio individual. Não importa quantas sejam as tentativas de engenharia social, quantos sejam os modismos, o princípio metafísico é imperativo, e cabe ao homem solar, impelido por sua vontade, seu ímpeto ascensional, ser simbólico, não diabólico. Isso é brilhantemente ilustrado por William Shakespeare na sua peça “Otelo”.
Em “Otelo”, o personagem homônimo pretende se casar com sua amada, Desdêmona, também apaixonada por ele. Na peça, a receptividade da dama é completamente taurina, e Otelo perfaz o arquétipo ariano perfeitamente, um verdadeiro herói, como se feições dóricas tivessem sido esculpidas no negro do ébano.
No entanto, Iago conspira contra a felicidade do casal. Movido, não por simples ódio, nem inveja, o vilão age pelo próprio ímpeto de dissolução. Após articular planos, contrapondo a fala “bifurcada” à ação reta de Otelo, Iago faz a vez de próprio demônio, do antissimbólico.
Iago gera a morte dos amantes, mas, mesmo assim, seu plano fracassa: a união que não se consumou na matéria, realizou-se no espírito. A intenção do Logos superou qualquer maquinação gnóstica do Diabo. Desdêmona morre, Otelo, realizando o sacrifício ariano, o Yajna, cai sobre sua amada, culminando no Yoga. Desdêmona morta é a terra arada, a pura receptividade taurina - o casamento se consumou na eternidade. Após isso, tendo seu plano e seu crime revelado, Iago nada mais fala, pois o Diabo não pode agir sob a luz, somente por vias conspiratórias.
Na pintura “Otelo e Desdêmona”, de Antonio Munoz Degrain, vemos o mouro encarando sua amada sem vida. Esta pintura da o tom do tipo de ariano que é Otelo: o Marte já capricorniano, o Marte educado pelo senso de dever e responsabilidade, o Áries ao fim do seu ciclo zodiacal, rumo a um novo ciclo no qual será renovado, no qual será Áries “hipermacho” transcendente. Trata-se de um Otelo consciente de seu dever cósmico.
O quadro também traz as típicas cores do signo de Áries: a fulguração dourada que, inclusive emana de Desdêmona, como se essa fosse um convite à iniciação nos Mistérios Maiores do novo ciclo zodiacal, no qual Otelo se renova; os tons terrosos e vermelhos emanam do mouro e adornam seu corpo negro, como um Capricórnio imbuído das armaduras marciais, sua assinatura; o herói shakespeariano desvela cortinas de um pálido verde dourado, sendo Áries desvelando Vênus, a irrupção do “carneiro” sobre a matéria prima.
Há muito mais a ser explorado sobre o tema do casamento alquímico de Marte e Vênus, mas, por hora, julgamos ter elaborado de maneira muito mais profunda seus diversos significados simbólicos. Certamente teremos de voltar ao tema, especialmente para tratar do que segue imediatamente após a inda de Áries a Touro: a culminação em Gêmeos. Além disso, cabe analisarmos especificamente a relação proporcional entre Touro e Áries, a relação entre os eixos Áries-Libra e Câncer-Capricórnio, o movimento pendular que Libra exerce sobre Áries, e Escorpião sobre Touro, etc. Sendo assim, não deixem de acompanhar o desenvolvimento de nossos estudos, pois cada artigo engendra uma cadeia ampla de exposição de conhecimentos iniciáticos.
Cara, parabéns pelo seu texto.
Tenho acompanhado seu canal no Youtube e vi que você também escreve por aqui no Substack.
Muito interessante a forma como você falou sobre o casamento através da análise dos símbolos Marte-Vênus. É incrível a forma que você traz diversas referências artísticas e de outras tradições simbólicas.
Fico aguardando por uma continuação.
Deus abençoe!